
Para obter o título de doutora, ela se inspirou na própria realidade e
produziu um estudo baseado no acesso das travestis (homossexuais que se
vestem como mulheres) cearenses à educação. “Pude constatar que está
havendo um aumento do acesso e também da procura pela escola, mas ainda
há resistências como a discriminação, bullying e a marginalização”,
disse ao UOL Educação por telefone.
esistência, aliás, é uma palavra ou até mesmo um sentimento muito
conhecido por Luma. “Desde os oito anos de idade que convivo com isso.
Já cheguei a apanhar na escola e ouvir da professora que era bem feito”,
contou.
Mesmo assim, ela disse que focou a atenção para os estudos e usou sua
aptidão para as ciências exatas como uma aliada na conquista de amigos e
de respeito dos colegas. “Eu sabia matemática e fiz com que isso me
ajudasse. Passei a dar aulas para os colegas e eles passaram a ser meus
amigos”, disse.
Em casa ela usou a mesma estratégia de focar a atenção para os estudos,
na hora de responder os questionamentos dos pais, dois agricultores
analfabetos que não a discriminavam, mas sempre perguntavam por uma
namorada, principalmente no período da adolescência.
Já adulta, chegou a ir, nos primeiros dias, para o campus da
Universidade Federal do Ceará, no município de Limoeiro do Norte, onde
concluiu a graduação, vestida com roupas masculinas para evitar
situações de preconceito e constrangimento, mas a estratégia não deu
certo. No primeiro dia de aula, ela conta que foi uma chacota geral,
mas, depois que resolveu usar roupas femininas, as pessoas a conheceram
melhor e ela começou a ser aceita. “De início foi uma decepção, pois
achava que na universidade as pessoas eram mais maduras”, disse.
Início na vida profissional foi marcado por dificuldades
Depois de formada, Luma recebeu o convite de um ex-professor da
faculdade para dar aula em uma escola, mas o que parecia ser uma grande
oportunidade, na verdade foi um grande teste.
“Era terrível, os dirigentes e outros professores ficavam atrás das
portas assistindo à minha aula. Os alunos também ficavam rindo e muitos
gritavam: gay, viado (sic), dentre outros palavrões. No fundo, eles
achavam que a minha aula (de ciências naturais) ia ser uma palhaçada,
mas sempre no primeiro dia, eu contava a minha história de vida e
ganhava fãs e aliados. Eles também são pobres, nordestinos e sonham com
dias melhores. “Além disso, sempre mantive postura, seriedade para
lecionar, o que foi fundamental para adquirir o respeito de alunos e
colegas”, completa.
Depois de conquistar estabilidade e ser aprovada em concurso público na
área de Educação, Luma passou na seleção de um mestrado em Mossoró, no
Rio Grande do Norte, e a cidade cearense mais próxima era Aracati.
“Começou tudo de novo, tive que voltar à estaca zero”, disse Luma que
precisou pedir uma intervenção da Secretaria Estadual da Educação do
Ceará para ser admitida em concurso que havia sido a única pessoa a ser
aprovada. “A minha nomeação era sempre protelada sem que um motivo fosse
alegado".
Anos depois, em 2005, desenvolveu o projeto “Intimamente Mulher” que
incentivava alunas e professoras a fazer exames de prevenção que lhe
rendeu o primeiro lugar no Estado e um prêmio no Ministério da Educação.
Atualmente, Luma está casada com um professor de História, realiza
palestras, é constantemente convidada para ser madrinha de formaturas e
passeatas, além de presidir a Associação Russana de Diversidade Humana,
na cidade de Russas, a 165 km de Fortaleza.
Tese de doutorado
Essas e outras barreiras enfrentadas por travestis foram relatadas na
tese da doutoranda, que aponta alguns entraves enfrentados por travestis
nos ensinos médio, fundamental e superior. “Uma coisa é o nome, onde
muitos professores fazem questão de gerar um constrangimento as chamando
pelo nome de batismo, outra é a utilização do banheiro, onde somos
obrigadas a usar os sanitários masculinos, o que é muito desagradável,
pois as travestis acabam sendo vítimas de muita gozação, agressões
físicas, tentativas de estupro e isso tudo faz com que elas deixem a
escola”, disse ela que há dois anos conseguiu mudar os documentos e
abandonar o antigo nome de João.
O uso do banheiro por parte das travestis é um dos capítulos da tese de
Luma. Ela disse que prendia a urina e só ia ao banheiro depois que
chegava em casa, o que lhe rendeu, à época dores abdominais, dilatação
da bexiga, além do desconforto no momento em que assistia a aula.
“Muitas vezes eu perdia a concentração”, resume.
Realidades diferentes no interior e nos grandes centros
Na apuração para a produção da tese de doutorado, Luma Andrade, estudou
95 casos em todo o Ceará, mas três cidades tiveram maior destaque:
Fortaleza, Russas e Tabuleiro do Norte. Nos municípios, ela encontrou
duas realidades diferentes.
Na capital, mesmo com uma maior oferta de estabelecimentos
educacionais, as travestis quase não têm acesso à educação e a maioria
se concentra em zonas de prostituição no centro e na orla da cidade. Já
em Russas e em Tabuleiro do Norte, ela acompanhou de perto a história de
três travestis que freqüentavam aulas em escolas de ensino fundamental e
médio. “Por incrível que pareça, no interior elas são mais acolhidas e o
preconceito é menor, pois elas conseguem viver no ambiente da família,
sem precisar se prostituir. É possível ver travestis trabalhando no
comércio como vendedoras e em diversas atividades”, observa.
Outra coisa que chamou a atenção da doutoranda foi o fato de muitos
dirigentes escolares e educadores não saberem distinguir uma travesti de
um homossexual. Segundo o manual de comunicação da Associação
Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros
(ABGLT), "um travesti é a pessoa que nasce do sexo masculino ou
feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo
biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela
sociedade". Já um homossexual é, segundo o documento, "a pessoa que se
sente atraída sexual, emocional ou afetivamente por pessoas do mesmo
sexo/gênero".
Nenhum comentário:
Postar um comentário